Projeto que restringe o aborto legal avança no Senado e ameaça meninas vítimas de estupro
O Senado Federal discute nesta quarta-feira (15) o Projeto de Lei nº 2.524/2024, de autoria do senador Magno Malta (PL/ES), que propõe reconhecer a “presunção absoluta de viabilidade fetal” a partir da 22ª semana de gestação. O texto será analisado na Comissão de Direitos Humanos (CDH), presidida pela senadora Damares Alves (Republicanos/DF), e tem gerado forte reação de organizações de defesa dos direitos humanos e da infância.
A campanha Criança Não é Mãe publicou uma nota técnica alertando que o projeto restringe o acesso ao aborto legal, inclusive em casos de estupro, e viola direitos fundamentais de meninas e mulheres. O aborto é previsto em lei no Brasil desde 1940 em situações de violência sexual, risco de morte da gestante ou anencefalia fetal. O PL, segundo as entidades, transformaria o Estado em agente de reprodução da violência, ao negar o direito de interromper a gravidez mesmo nesses casos.
“O PL 2.524/2024, na prática, obriga meninas e mulheres estupradas a manter gestações forçadas, configurando tortura física e psicológica. Muitas vítimas só chegam aos serviços de saúde após 22 semanas, porque demoram a compreender a violência sofrida ou a identificar a gravidez. Impedir o aborto nessas circunstâncias é condená-las à maternidade forçada, à perpetuação do trauma e ao risco de morte”, afirmou Carla Angelini, coordenadora da organização Católicas pelo Direito de Decidir.
A nota técnica também aponta que o projeto viola compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção Americana de Direitos Humanos, ao restringir o direito à saúde, à autonomia e à igualdade de meninas e mulheres.
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, o Brasil registrou 87.545 casos de estupro e estupro de vulnerável em 2024, sendo 76,8% das vítimas menores de 14 anos, a maioria meninas negras. Entre 2014 e 2023, nasceram 57 bebês por dia de meninas entre 10 e 14 anos, mas apenas 828 meninas conseguiram acessar o aborto legal nesse período.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) reforça que complicações na gestação e no parto estão entre as principais causas de morte entre adolescentes. No Brasil, entre 2018 e 2023, uma menina entre 10 e 19 anos morreu por semana por complicações da gravidez.
“Negar o aborto a meninas vítimas de estupro é negar a proteção integral e a dignidade humana garantidas pela Constituição. O Estado não pode se omitir diante de uma violência e depois punir as vítimas com a maternidade forçada”, afirmou Rubia Abs da Cruz, coordenadora do Cladem Brasil.
As organizações classificam o PL 2.524/2024 como um grave retrocesso nos direitos reprodutivos, que ignora as desigualdades de gênero e o impacto da violência sexual sobre meninas e mulheres. A expectativa é que o texto seja debatido na Comissão de Direitos Humanos antes de seguir para o plenário do Senado.
Fonte: Criança não é mãe | Foto: Jonas Pereira/Agência Senado


